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Mostrando postagens de 2018

Pedido indeferido!

                            Hoje à meia noite, apaguei a luz do abajur, estiquei-me sobre a cama, com as palmas das mãos viradas para baixo, como se fosse meditar, então fechei os olhos, inspirei bem fundo e fiz um pedido: que este ano não tivesse existido no calendário! Sim, que estes dez meses e vinte e dois dias não tivessem passado de um sonho ruim ou mesmo uma piada de mau gosto.                    Cerrei os olhos e fui um pouco mais além, imaginando que quando os abrisse, eu estaria no mesmo lugar onde os fechei há exatamente um ano. Então, com eles ainda fechados, sem mover os braços, lentamente passei as palmas das mãos sobre o lençol. Não ouvindo nada além da minha própria respiração, virei-me para o lado direito e,calmamente, abri meus olhos: Pedido indeferido!    

Matemática

             Matemática é mesmo matéria difícil de entender! Ora somando e multiplicando, ora subtraindo ou dividindo. Um dia quatro, que passaram a ser somente três, no carro, no restaurante, na viagem. Então dez anos depois, aqueles mesmos quatro passaram a preencher seis lugares à mesa, ou três camas de casal.           E de repente, somos apenas dois, deitados no sofá no qual por tantas noites fomos três. E agora quando à mesa, apenas um, enquanto o outro, sentado no chão, espera pela hora do passeio de fim de tarde, com os olhos fitos em sua coleira pendurada na porta. Essa é a matemática da minha vida, até aqui.

Falta que as faltas fazem

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Das partidas de tênis que não jogamos De Portugal que não fomos conhecer Do New Koto que não experimentamos Do hotel fazenda onde não fomos espairecer Das prateleiras vermelhas que não fixamos na parede Da temporada de 1 Contra Todos que não assistimos Da ninhada que o Focinho Gelado não teve Da dieta em que não insistimos Da Highway One que não exploramos Da volta que não demos na moto nova Do painel de TV que não instalamos Do acampamento que não aconteceu Das próximas alianças que não encomendamos Dos filhos que não vieram Dos votos que não renovamos.

A carta

      Na tenra infância, ao acaso, Cecília encontrou uma carta bem dobrada dentro de uma velha agenda telefônica que repousava sobre o empoeirado criado mudo. Aquela correspondência com letras tremidas e tinta fresca era um adeus dirigido ao seu pai, sofridamente escrita por sua mãe, após flagrá-lo traindo-a.       Ao ver seu nome naquele pedaço de papel e um pedido para que o pai cuidasse bem dela, entendeu que, de alguma forma, aquilo lhe dizia respeito e, portanto, era seu direito saber do que se tratava. Geniosa como era, não sossegou até que seu pai chegasse do trabalho. Com a carta no bolso do short , pés descalços e cabelos desengrenhados, correu até o portão ao vê-lo se aproximar de casa.      Ele adentrou-se, beijou-a e, antes que pudesse dizer uma só palavra, a menina franziu a testa, como se tentasse enxergar melhor, e rapidamente indagou: “Papai, você sempre me amou mais do que a mamãe? Foi por isso que você ficou comigo?”       Surpreso com a pergunta, o pai se deu

Pássaro branco

                  Enfim chegara a tão esperada noite de encerramento do ano letivo. Todas as desconfortáveis cadeiras de madeira daquele pequeno teatro da escola, velho e fedido a mofo, estavam ocupadas. Seus pais, bem ali, sentados na primeira fileira, não conseguiam disfarçar o orgulho que sentiam pela sua primeira apresentação.                             Foram dias, semanas, meses e praticamente um ano inteiro de ensaios, provas e ajustes de figurino, escolha da maquiagem perfeita, bandaids nos pés, frio na barriga. Quando a cortina azul marinho se abriu e a música começou a tocar, ela, nervosa, inspirou lenta e profundamente, levantou o queixo e, ao expirar todo o ar de seus pulmões, lançou fora a ansiedade.                      A cada nova suave inspiração, seu corpo respondia em movimentos precisos, leves e sublimes. A coreografia, então, se desenvolvia com a maior naturalidade, e a jovem bailarina parecia simplesmente flutuar, como um belo pássaro branco no céu anil ensolarad

Vazio

O silêncio é ensurdecedor. O tempo passa de outra forma: os dias são mais longos, as noites frias e mais curtas. Tão logo me deito, caio no sono.                 Um sono leve e em alerta, do qual, por vezes, não quero acordar. Sábados, domingos e feriados são os dias mais difíceis do mês.            Falta-me o apetite, falta-me o afago, falta-me você.                   

Choro de mãe

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Hoje minha mãe chorou Não tinha prendido o dedo na gaveta Nem acertado o dedinho do pé em um móvel Também não tinha dor de cabeça Não estava com saudade da minha irmã Nem havia perdido um ente querido. Hoje minha mãe chorou De cansaço De dor na alma De raiva, ora do silêncio ora do barulho, igualmente ensurdecedores. Eram lágrimas de quem queria, por um minuto que fosse, não ser mãe de seus pais, de seu marido e de suas filhas. Era um clamor de sua alma feminina, que, embora maternal por natureza, hoje só precisava ser abraçada como filha, acalentada no colo, e, então, pegar no sono em paz, ouvindo o sussurro de que tudo vai ficar bem.

Será que é suficiente?

Tomando aqueles comprimidos em sua mão gelada e trêmula, fechou-a apertando o máximo que pôde, cerrou os olhos e respirou profundamente. “Será que é suficiente?”, se perguntava baixinho. Com o rosto vermelho, olhos e lábios inchados de tanto chorar, sentado no chão frio do banheiro do hospital, não conseguia enxergar o futuro, sua única certeza era de que não agüentaria viver nem mais um dia com a culpa pela morte repentina de sua amada. Batendo a cabeça contra a parede, questionava-se: “E se eu não tivesse bebido tanto?” “Se tivesse entregado as chaves do carro como ela pediu?”. “Ah! Se eu pudesse trazê-la de volta!”, e, olhando para sua mão fechada cheia de comprimidos, insistiu: “Será que é suficiente?”

Quero colo

  Colo que acolhe Colo que protege Colo que leva adiante Colo que toma para si Mas também entrega ao mundo Colo que expande Colo que se faz ponte Colo que encobre Colo hoje distante.

Sozinho

Preferindo qualidade à quantidade Cultivou poucos e bons amigos Com os quais partilhou a dança, o riso e o vinho Com reciprocidade Não lhe faltou palavra amiga, amor e carinho Tampouco paciência, encorajamento e lealdade Mas as dores do caminho Achou por bem enfrentar sozinho No silêncio daquele quarto Protegido em seu ninho.

Sobre chicletes e umbigo

O mundo está ficando cada vez mais fitness . Termos como sem glúten, sem lactose, low carb , ligth , diet, zero tomaram de conta das rodas de conversas, rede sociais, programas de TV, prateleiras do mercado, revistas. Ouso dizer que as próximas gerações talvez nem venham a conhecer muitas das guloseimas que existem atualmente, ainda. Uma pena! Tal suposição me motiva a registrar para a eternidade uma pequena parte da história de Duda, nascida em Brasília/DF, nos anos 90, época em que não havia tamanha preocupação e restrição dos pais sobre a ingestão de doces – talvez fosse essa uma das muitas razões pelas quais a vida daquelas crianças tenha sido mais leve e divertida do que as de hoje, que gastam seu tempo livre enfurnadas em um tablet enquanto comem bolachas de arroz e chá de hibiscos. Era muito simples arrancar de Duda um sorriso que ia de orelha a orelha: bastava lhe dar um chiclete. PingPong, Ploc, BigBig, Bubbaloo, BolinBola, Huevitos, não importava o sabor.   Embora se

Mar... (A)Mar... Mar(te)

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Ali trancada em seu quarto de paredes cor de rosa, sentada no tapete, com os olhos fechados, ouvindo sua banda preferida no walkman que ganhou de presente no último Natal, sonhava em conhecer o mar. Sonho esse que brotou de um cartão postal que havia recebido, quando ainda estava sendo alfabetizada, de sua madrinha que se mudou para o Rio de Janeiro. Ano após ano, recebia um novo postal com imagens das mais belas praias cariocas, os quais guardava cuidadosamente em suas agendas. A cada novo cartão, crescia o seu desejo de ir à praia. Sonhava como o dia em que veria de perto toda aquela imensidão azul. E ali, no chão de seu quarto, com os olhos fechados, podia até sentir o toque da areia em seus pés descalços e a maresia permeando seus cachos soltos sob o sol. Por volta de seus dez anos de idade, o sonho, enfim, se tornou realidade. Foram dois dias e uma noite inteirinhos rodando de Brasília a Natal, em um Monza vinho ocupado por três adultos e três crianças. Certamente, uma

A vida sempre segue

   A vida sempre segue. Mesmo diante daquelas dores que, por algum momento, parecem esvaziar o sentido de tudo, paralisando o riso e fazendo escorrer uma ou algumas lágrimas. A vida continua. Apesar de tudo, lá se vai seguindo seu trajeto. E embora pareça andar em câmera lenta pra quem está no olho do furacão, ela não pára nem por um segundo.  Na verdade, nem sequer diminui seu ritmo. O tempo, o vento, os dias, os meses, as estações continuam a passar. As festas, os sorrisos, a alegria alheia idem. Então, ou se abraça a dor e ousa tentar consertar o que foi quebrado, enquanto segue junto à vida, ou paralisa-se, congelando-se solitariamente naquilo que te feriu.

Sorriso

  Lágrimas escondidas Saudades doídas Sentimentos impronunciáveis Palavras reprimidas Medos bobos Sonhos irrenunciáveis Dores caladas Questionamentos loucos Tudo isso cabe em meu sorriso.

Solidão Moderna

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