Uma ou duas tranças

São 20hs de uma quarta-feira qualquer, ainda enrolada na toalha de banho, com o cabelo molhado, sentada diante do espelho, examino as marcas do tempo em volta de meus grandes olhos castanhos. 
Lembrando-me das propagandas que vi numa revista de beleza que diziam ter chegado a hora de começar a investir em cosméticos antiaging, percebo também algumas rugas na testa. "Será que esses cosméticos funcionam mesmo?", questiono.
Num gesto um tanto automático, trago meu cabelo todo para a lateral do pescoço, reparto-o em três e começo a tentar trançá-lo. Começo e recomeço algumas vezes, sem muito sucesso. Termino um protótipo de trança, o qual finalizo com um pequeno prendedor, mas em poucos segundos o desfaço porque não gosto do resultado. "Por que nunca aprendi a fazer uma trança?!", questiono.
Nesse momento, fitando meus olhos no espelho, sorrio e sou transportada para o passado. Apenas o meu corpo permanece ali na cadeira, enquanto minha alma viaja livremente, levando meus pensamentos a uma outra noite, e outra e outra.
Noites essas em que, vestida em um pijama, com o cabelo molhado, a toalha de banho, um pente e alguns prendedores na mão, entrava de mansinho no quarto e pedia: "Mãe, me faz uma trança!?" E, a fim de evitar uma resposta negativa, completava entusiasmada: "Já desembaracei o cabelo."
Então, sentava-me em sua cama e ela atendia ao meu pedido. Quase sempre me perguntava se podiam ser duas tranças, uma de cada lado da cabeça. Embora não me explicasse o porquê disso, eu bem sabia que uma única trança com o cabelo todo para trás não era o seu forte. Por alguma razão, que nunca entendi, partir o cabelo ao meio e fazer duas tranças lhe era mais fácil. E a verdade é que, para mim, não importava se seriam uma ou duas! 
Minha mãe tinha dificuldade para começar o trançado, dividia o cabelo em três partes e sempre me pedia para segurar uma delas até que pedisse para lhe entregar de volta. Por incontáveis vezes, quando as tranças estavam quase terminadas, ela as desfazia e recomeçava dizendo que o início do trançado não estava bom. E sempre que finalmente terminava, me pedia para ir até o espelho e ver se tinha ficado legal. Eu me levantava para conferir já sabendo que iria gostar do resultado e que, se não estivesse tão bom, eu mesma poderia melhorar com um ou dois grampos, quando voltasse para meu quarto.
Esse ritual se repetiu ao longo de muitos e muitos anos. Mesmo já adulta, lá ia eu com toalha, pente e prendedores na mão. Por que nunca aprendi a fazer uma trança? Porque esse era o nosso momento mais precioso... Ao trançar meus longos cabelos, minha mãe trançava também os nossos corações.

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