"Onde me perdi?"

     
Fabrício era um jovem publicitário de cabelos compridos e alma livre, que tinha um belo par de asas tatuado nas costas. Comunicativo, adorava fazer novas amizades por onde passava, jogava futevôlei na praia com a galera, dividia o apartamento com um colega e viajava a trabalho. Orgulhava-se em dizer que todos os seus pertences cabiam numa só mala, o que lhe possibilitava partir sempre que desejasse.
Como acontece a todo mundo, um dia Fabrício apaixonou-se por um moça linda e entusiasmada, que conheceu em um dos eventos organizados pela firma. A cada dia mais apaixonado, estava certo de que seriam muito felizes. Não tinha como não serem!        
Trataram de apressar o casamento, a fim de poderem desfrutar juntos a beleza e a leveza da juventude. Fabrício e a noiva, vestidos de branco e pés descalços, trocaram alianças e promessas diante de poucos convidados numa cerimônia íntima e alegre.  
Apesar da pouca experiência, ele estava convicto de que estava embarcando na maior aventura de sua vida. Só não sabia que muito em breve suas asas seriam, dia após dia, dilaceradas... por ele mesmo. 
Ao longo do tempo, em busca de mais amor da esposa e pertencimento, foi moldando-se e deixando-se moldar: cortou os cabelos e vestiu-se com terno e gravata para trabalhar na multinacional da família de sua mulher; os chopps com a galera do futevôlei no quiosque da praia deram lugar às taças de vinho ou espumante nos eventos que passou a frequentar; suas gargalhadas foram substituídas por sorrisos amarelos nas rodas em que se conversavam somente sobre dinheiro e política; seus bens já não cabiam mais nem em uma infinidade de malas. 
A essa altura, Fabrício acumulava quilos extras, taxas hormonais descompensadas, estresse, ansiedade e uma terrível gastrite. Seus olhos já não brilhavam como antigamente e não mais se reconhecia diante do espelho.
Até que em uma noite de sexta-feira, preso  no trânsito a algumas horas, desligou o ar condicionado de seu carro, abriu os vidros, afroxou o nó da gravata, desabotoou o colarinho... mas ainda se sentia sufocado. 
Havia um nó em sua garganta, o peito doía como se antecedesse a um enfarte. Sem pensar em nada, parou o carro sobre a calçada a poucos quarteirões de casa, e apertando com muita força o volante entre as duas mãos, gritou o mais alto e demorado que pôde, como se estivesse expulsando os fantasmas que o habitavam.
E, então, tirou os sapatos e as meias, desceu do carro, atravessou a rua e pôs-se a correr na praia. Correu até ficar completamente exausto, jogando-se finalmente no chão. Ali, deitado na areia, de braços abertos, rendido, sob o céu estrelado, perguntava-se: "Onde me perdi?" Fabrício não sabia que quem não pertence a si mesmo não encontra pertencimento em lugar algum.

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