A carta
Na tenra infância, ao acaso, Cecília encontrou uma carta bem dobrada
dentro de uma velha agenda telefônica que repousava sobre o empoeirado criado
mudo. Aquela correspondência com letras tremidas e tinta fresca era um adeus
dirigido ao seu pai, sofridamente escrita por sua mãe, após flagrá-lo traindo-a.
Ao ver seu nome
naquele pedaço de papel e um pedido para que o pai cuidasse bem dela, entendeu
que, de alguma forma, aquilo lhe dizia respeito e, portanto, era seu direito
saber do que se tratava. Geniosa como era, não sossegou até que seu pai
chegasse do trabalho. Com a carta no bolso do short, pés descalços e cabelos desengrenhados, correu até o portão
ao vê-lo se aproximar de casa.
Ele adentrou-se,
beijou-a e, antes que pudesse dizer uma só palavra, a menina franziu a testa,
como se tentasse enxergar melhor, e rapidamente indagou: “Papai, você sempre me
amou mais do que a mamãe? Foi por isso que você ficou comigo?”
Surpreso com a
pergunta, o pai se deu conta de que havia caído por terra aquela estória sobre
a tia muito doente a quem sua mãe viajou repentinamente para ajudar, que há
poucos dias tinha lhe contado. Então, sentando a garota em seu colo, contou-lhe
sobre a dor que causou a sua mãe e, mais, explicou-lhe que o amor materno era
tão grande que a tinha feito renunciar, não sem dor, à companhia da filha para
assegurar-lhe o sustento.
Ainda
que não tivesse maturidade para compreender tudo aquilo, Cecília ouviu com
muita atenção e sorriu aliviada, certa de que a mãe lhe amava tanto quanto o
pai. Voltando-se inocentemente às bonecas espalhadas sobre a cama, entreteu-se
enquanto o pai requentava o jantar.
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