Convite


                        Há alguns dias, caneta e papel me chamam pelo nome. Assuntos enlaçam meus pensamentos. Palavras unem-se formando parágrafos em minha mente. Sigo fugindo. “Mais tarde!”, “Amanhã sento e escrevo.”, “Outra hora!”
                   Fujo na vã tentativa de calar o que grita aqui dentro. Então, penso, sem parar, sobre superficialidades, amenidades, personalidades, tudo para não ouvir o convite daqueles, que me conhecem tão bem e sabem que é através deles que exorcizo demônios, retiro mordaças, pinto arco-íris, reescrevo finais, crio recomeços, ressignifico dores.
                   Escrever é desnudar-me, é silenciar o que acontece do lado de fora e olhar para dentro de mim com meus próprios óculos. Por meio da caneta e papel, coloco luz sobre minhas sombras e deparo-me com a minha humanidade. Publicar o que escrevo me aproxima de quem me lê, me tira do lugar onde me colocaram, no qual nunca quis estar.
                   Eis algo que sempre me gerou incômodo: ser apontada como modelo, quer fosse de coragem, de organização, de obediência, de caligrafia, de educação, entre tantos outros. Ser esse tipo de modelo é um fardo bem pesado cujos produtos são julgamento, autocrítica, engessamento, comparação. Exatamente o que preciso deixar de lado para escrever livremente, para dar autenticidade às palavras que saem de minha mente por si mesmas, tomando a forma necessária para o momento.
                   É preciso coragem para dar forma e grafia ao que se borbulha por aqui. É preciso, antes, amor e gentileza para não me autocensurar, para não revisar tanto os escritos ao ponto de não mais existir neles. Quando comida alguma aplaca a fome, diversão alguma me preenche, taças já vazias não mais entorpecem, é hora de render-me ao convite da caneta e do papel.    

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