Conselho de painho


     Desde que saiu da casa dos pais no interior do interior, onde nasceu e cresceu correndo descalço com seus os três irmãos, a vida não ficou mais fácil, embora já não precisasse trabalhar horas, dias, semanas, meses, anos debaixo do escaldante sol do sertão nordestino.
     Agora dividia o aluguel de uma quitinete com outro rapaz, que também era garçom no mesmo bar que ele. Sendo o mais velho dos quatro filhos, aprendeu cedo  que regalias são para poucos, somente para "aqueles nascidos com os fundos virados para a lua", como dizia sua avó.
     Mas, depois de enviar, mensalmente, a metade do fruto do suor do seu trabalho de servir mesas naquele bar na Capital Federal, com a parte que restava para si, se permitia a maior das regalias, que lhe adoçava os dias amargos de saudade e lhe motivava quando pensava em desistir de tudo e voltar para a roça.
     Mordiscava um pequeno pedaço, fechava os olhos e ouvia mentalmente a voz de painho: "A vida é que nem essa rapadura, filho. É doce, mas não é mole não". 

Comentários

Mais lidos

Tempestade

Que privilégio é poder voar!

Uma ou duas tranças